terça-feira, 9 de março de 2010

ENTREVISTA: FRANCISCO LOUÇÃ


Estou farto que haja grandes
processos que 6 anos depois
continuam por julgar

Com um curriculum invejável, Francisco Louçã, líder e fundador do Bloco de Esquerda, é um dos políticos que mais se destaca em Portugal pelo seu intervencionismo, ética e políticas socialistas.


Como surgiu o seu interesse pela política?
Eu vivi sobre uma ditadura até aos 17 anos e isso confrontava-nos imediatamente com a política, seja porque a ditadura não permite a liberdade de expressão, seja porque na altura havia uma guerra e todos os rapazes tinham que ir para a guerra. Isso confrontava-nos com a situação mais dramática que se pode ter na vida.

O que o ajudou a desenhar o seu percurso ideológico?
Foi um pouco este contexto, a percepção de que era preciso lutar pela liberdade, de que era preciso ter uma visão que contrastava com aquela ditadura de direita, de extrema-direita, que Portugal tinha. Com a visão de uma guerra imperial era preciso encontrar soluções novas, num mundo que estava a mudar muito, tinha havido o Maio de 68, tinha havido o golpe de Estado de Pinochet no Chile, enfim, sentia-se uma grande mudança e uma grande esperança e foi isso que me formou ideias de esquerda e o socialismo.

Sente que o Bloco não conseguiria assegurar uma oposição tão sólida se não fosse o líder do partido?
Nunca se consegue dizer o que é que aconteceria se a história fosse diferente daquela que existe (risos), é muito difícil dar essa resposta mas eu creio que o Bloco de Esquerda é uma força de muita gente diferente e de muita gente com muita energia, muita capacidade, muitos jovens, professores, operários, pessoas mais idosas mas que têm em comum um sentimento de grande frontalidade contra a injustiça e acho que é isso que nos dá força mais do que uma pessoa ou outra.

Karl Marx é uma referência do partido. Até que ponto é que o Bloco se apoia nesta doutrina?
Bastante, Marx foi no século XIX, em circunstâncias muito diferentes das do século XXI, mas foi um dos grandes críticos do capitalismo. Há pouco tempo o Financial Times, um grande jornal diário, digamos da burguesia inglesa, da direita histórica em Inglaterra, tinha um grande título que era: “ O Karl Marx voltou”, por causa da crise financeira, por causa deste colapso destas instituições, da percepção de que havia uma fraude gigantesca no conjunto do capital financeiro. Eu acho que é isso que nos traz Karl Marx, é uma percepção das contradições do capitalismo como ele surgiu no século XIX sendo que se desenvolveu muito depois nos séculos seguintes.
De que forma seria viável a política de relações internacionais do Bloco de Esquerda com países mais conservadores?
Nós temos relação com movimentos de opinião em muitos países, muito diferentes, nos Estados Unidos, quando o George Bush conduziu a guerra ao Iraque nós tínhamos imensas relações com milhões de pessoas que se manifestaram contra a guerra, temos relações com pessoas na Palestina e Israel que são contra a guerra. Eu acho que é possível encontrar hoje fraternidade e aproximação com pessoas que têm ideias muito próximas, como as grandes preocupações dos direitos humanos, da democracia e da responsabilidade social e eu acho que esse é o sentido do trabalho que o Bloco tem de fazer.

Qual a posição do Bloco de Esquerda em relação à política praticada em países como a China, a Coreia do Norte ou Cuba?
Nós temos uma grande hostilidade em relação ao que se passa na China ou na Coreia do Norte, são regimes de partido único com os quais nós não concordamos por inteiro, achamos que não é possível haver estados que proíbam a opinião política ou a liberdade de imprensa ou a liberdade de manifestação, a liberdade de sindicato ou de fazer greves. Tudo isso acontece na China ou na Coreia do Norte e portanto entendemos que isso é a pior caricatura que se pode fazer de uma sociedade. O socialismo tem de ser exactamente o contrário, tem de ser uma sociedade livre em que as pessoas são livres, são responsáveis, dão a sua opinião combatem pelas suas ideias, aceitam a democracia, aceitam os votos e tomam decisões em conjunto.

O Bloco é muitas vezes apontado como o grande partido de oposição permanente às políticas do Governo Sócrates. Em que medida concorda com esta afirmação?
Bem ninguém é bom juiz em causa própria (risos), eu acho que nós temos de ser um partido da oposição, escolhemos sê-lo porque combatemos as soluções liberais que têm conduzido a um grande aumento do desemprego. Nós estamos perante uma tragédia social em Portugal, 600 mil desempregados é uma tragédia gigantesca. Todas as gerações em Portugal têm mais educação, mais formação, do que os seus pais, tem evoluído assim historicamente em Portugal, mas esta é a primeira que têm mais educação do que os seus pais e vive pior do que os seus pais, normalmente vivia-se sempre melhor. Agora os jovens têm biscates, não têm emprego, tem contratos a prazo, têm recibos verdes, têm call centers, há licenciados em call centers ou emigram e, eu acho que isso é o resultado de uma política económica conduzida por Sócrates e por governos anteriores, que dá à concentração financeira todo o poder. Os bancos têm 9 milhões de euros de lucro por dia mas discutem uma taxa de multibanco para fazer pagar as pessoas pela operação multibanco, há banqueiros que recebem 40 milhões de euros de indemnização no dia em que são despedidos por ter falsificado as contas do seu banco, em vez de serem presos recebem 40 milhões de euros. Isso aconteceu em Portugal no ano passado, a corrupção pelos vistos segundo este caso “Face Oculta”, se for verdade o que se diz, atinge empresas públicas em que banqueiros recebem dinheiro para fazer apresentar pessoas a outras pessoas. Ora, isto não é um acontecimento ocasional, é uma rede social em que a ganância se torna uma forma de viver. Eu creio que é preciso ser oposição para poder ser um melhor governo contra esta situação.

Quais as condições do BE para uma aliança com o PS, agora que este não obteve maioria absoluta? Estaria disposto a moderar parte das suas políticas para as ver aprovadas na Assembleia?
Não, o que dissemos na campanha eleitoral mantemos depois, não mudamos de opinião. Dissemos que o nosso programa era um programa para responder aos problemas do país, para ir concretamente ao que se pode fazer agora em Portugal, um programa mobilizador para a solução ao desastre económico e que era isso que nos diferenciava do partido socialista, não faremos acordo com um programa que no nosso entender vai exactamente no sentido oposto do que é preciso fazer para o país. E já se viu que o PS agora está a recuar, está a recuar nos professores, está a recuar nas taxas moderadoras na saúde, bom, está a reconhecer que não tinha razão. Nós queremos que haja soluções sólidas e por isso é que não fazemos jogos políticos de alianças que sejam contrárias ao nosso compromisso com os eleitores.

Se um dia o Bloco formasse Governo qual seria o momento limite nas reformas? Quando é que passaria a força conservadora das ideias mais radicais?
Qualquer reforma opõe forças conservadoras, cria forças conservadoras. Houve um referendo sobre o aborto e forças conservadoras achavam que a mulher ainda devia ser presa por três anos de prisão se decidisse sobre a sua vida coisa que só ela pode saber. Há sempre forças conservadoras, mas vencemo-los. Eu acho que um caminho sólido de democracia, de responsabilidade vence as forças conservadoras e permite dar direito às pessoas e respeito às pessoas e acho que isso muda muito as visões de quem acha que tem que haver uma pequena elite que toma conta do país que rouba o país o que quer e que vive como quer.

O caso “Face Oculta” é um exemplo grave de tráfico de influências. O combate à corrupção é algo prioritário neste momento?
Nesse sentido, na próxima semana o parlamento vai discutir medidas sobre a corrupção: levantamento do segredo bancário, criminalização do enriquecimento ilícito, as medidas concretas para que o sistema judicial possa agir com força e acabar este sistema de impunidade. Porque eu estou farto de que haja grandes processos que são noticia e depois 6 anos depois continuam por julgar e na corrupção acontece sempre isso, sempre isso. Houve um homem, um empresário, apanhado por corrupção em Portugal, ele tinha tentado comprar um favor da Câmara de Lisboa, a maior do país, e pagava-lhes 200 mil euros e foi apanhado. Levou uma multa de 5 mil euros, o que equivale a duas multas de trânsito e foi-se embora. Eu estou farto desta situação, acho que é preciso responder contra ela, e é por isso que a corrupção é tão importante. Espero que haja maioria para estas medidas concretas que o Bloco de Esquerda está a propor.

Os marxistas afirmam o capitalismo como o grande mal da sociedade, corrompendo-a nos seus valores mais íntegros, mas não será errado fazer juízos de valor morais a uma doutrina, sendo que a ganância e a gula também possam afectar marxistas?
Eu acho que não se deve fazer juízos morais, acho que a política é uma coisa diferente da moral. A moral tem um capítulo próprio, que é individual, a política é a forma de agirmos colectivamente uns para os outros. A história teve vários regimes: o feudalismo, no antigo regime, operação asiática, o capitalismo e depois teve regimes pós-capitalistas que se traduziram num fracasso completo, como a União Soviética, a China ou a Coreia do Norte. Mas o capitalismo não é o fim da história, não tem que ser. Nós vivemos numa situação em que o capitalismo representa 10% de desemprego em Portugal, representa 2 milhões de pobres e podem-me dizer que é uma sociedade magnífica, tem certamente vantagens, aumentou a produção, há mais acesso a bens culturais. A sociedade mudou muito com o capitalismo, mas também se baseia no facto de algumas pessoas trabalharem para enriquecer outras. Acho que pode haver uma situação em que há democracia política mas há também democracia económica e há mais acesso colectivo aos bens essenciais. Eu não aceito é que um país muito mais rico que Portugal, como a Noruega, seja um país mais igualitário e que Portugal seja mais desigual, está errado. Nós temos um capitalismo dependente, ganancioso que leva a que haja enormes desigualdades e não tem nenhum sentido. Portugal é mais pobre por ser mais desigual, tem mais dificuldades por ser mais desigual, e eu não aceito que haja pessoas que possam roubar um banco, neste caso o BPN, possa haver pessoas que entram num banco com um saco para o encher de dinheiro, que se vão embora e só uns anos depois, por acaso, é que alguns foram apanhados, não sabemos se todos. Isto é o capitalismo a funcionar no seu pleno. Eu acho que isto é inaceitável, é preciso que haja muita responsabilidade e acho que isso é que é importante na mudança da sociedade.

Como é que vê a Comunicação Social em Portugal?
A Comunicação Social tem um problema muito grave, caiu numa enorme concentração. Tem um grupo público e depois há três ou quatro grupos privados que dominam por completo a televisão, rádios, a comunicação social. O que quer dizer que hoje há pouca liberdade de informação em Portugal.

Qual o seu sonho para Portugal?
Mais do que sonhos, eu acho que era preciso medidas muito urgentes, a curto prazo. Eu acho que a medida da política social, da política democrática tem que ser a criação de emprego. Acho que a economia e o país estão a piorar se continuar a aumentar o desemprego, que é o que nos dizem que vai acontecer. Se se criarem 50.000 postos de trabalho para jovens qualificados, o país está a melhorar. Se melhorar a situação dos pensionistas, que têm 200 euros de pensão, e que vivem miseravelmente, o país está a melhorar. Eu acho que era isso que se podia fazer.

Patrícia Silva
Jornalismo Político
2010

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