quarta-feira, 3 de março de 2010

ENTREVISTA: NATACHA FONTINHA


"OS OUTROS É QUE ME PODEM
ACHAR DESENQUADRADA"


O calor da tarde de Verão parece atrasar os movimentos, até que ela chega. Colorida, Natacha Fontinha, gerente da Bad Bones, espalha energia por onde passa.

A sua família condicionou o gosto que tem pela tatuagem?
Não. A partir dos 16 anos achei que devia descobrir o que queria. Quanto ao gosto pela tatuagem, houve várias atitudes: a minha avó ficou um bocado reticente, mas acabou por aceitar. A minha mãe não tinha grande opinião e o meu pai só queria que eu estivesse bem. Perguntou-me sempre se não me ia arrepender. Um dia perguntou-me porque é que eu insistia tanto nesta vida, e eu respondi: “Quando começo uma coisa não é para desistir.”

Este amor nasceu consigo ou houve alguma coisa que o despertou?
Nada disso. Eu em miúda só gostava de cortar roupa e passar facturas e vender, foi sempre aquele bichinho do negócio (risos). A minha infância foi um bocado triste e solitária, mas tive tempo para pensar no que gostaria de fazer. Como sempre tive um sentido estético muito apurado trabalhava na moda, antes de estar com o Fontinha. Chegar aqui foi um passinho e o amor foi sendo ganho.

Todas as suas tatuagens têm um significado, um motivo?
Sim, para mim. Para os outros podem não ter.

Até porque é uma coisa muito pessoal…
Eu acho que é, mas pelos visto algumas pessoas não. Se a princesa, a manequim ou o actor têm, também fazem. Se calhar nem pensam porque é que essas pessoas o fizeram.

Tem uma que considera mais importante, ou que gosta mais do que as outras?
(Faz uma pausa para reflectir.) Eu acho que todas foram feitas com muita emoção. Talvez o retrato do meu filho seja mais especial. Quando ele nasceu, tatuei o nome dele, mas ele andou imenso tempo a dizer que eu não tinha o retrato dele e o pai tinha. Senti-me em falta para com ele e então resolvi, precisamente no Dia do Pai, fazer o retrato, com a data e assinado pelo Fontinha. Eu sei lá, sou tão distraída, um dia podia-me esquecer (risos).

Alguma vez se sentiu desenquadrada da sociedade?
Eu não, os outros é que me podem achar desenquadrada (risos). Sinto-me bem comigo própria, mas ainda hoje, que as pessoas já sabem quem eu sou, não é fácil. Acho que já lido bem com isso. Quando não tinha tatuagens era o cabelo ou outra coisa qualquer. Havia sempre um motivo para ser diferente.

A descriminação ainda se faz sentir em Portugal?
Basta ter um defeito que seja visível para se ser descriminado. Portugal é um país no sul da Europa, guiado por um regime católico. Perdoem-me os católicos, mas eu acho que é uma "beatice" falsa dizerem que a tatuagem é o anti-cristo. E o que se passa nos colégios de freiras? O meu filho esteve numa escola católica e foi horrível! Acho que as pessoas são descriminadas pelo que quer que seja; ou porque têm uma pestana verde ou porque nasceram com um olho de cada cor. Se calhar falta-lhes tolerância.

Tem-se vindo verificar que o gosto pela tatuagem começa a ser comum a quase todos os grupos sociais. O que pensa disto?
Acho bem. Porque é que as pessoas não hão-de ter direito a tatuar-se todas? A sociedade é uma linha de montagem da Autoeuropa. Se descer o Chiado ou se for a uma esplanada, as pessoas falam com o mesmo sotaque, usam o mesmo telemóvel, bebem o mesmo tipo de bebida, frequentam a mesma discoteca e até vão de férias para os mesmos sítios. Ser preto, branco ou azul é indiferente, desde que se seja um ser tolerável e que transmita bons valores ao próximo. É isso que eu transmito hoje ao meu filho.

Falando no seu filho… Acha que ele vai seguir os passos dos pais?
Não, nem pensar (risos). Acho que ele tem uma veia artística bastante grande, mas é engraçado como a vida nos surpreende. Eu que odiava futebol, o meu filho nasceu a adorar. Hoje, aquele ser que acabou de fazer dez anos, obrigou-me a gostar da "bola". Até nessas situações nós temos de saber adaptar-nos e tirar partido. Eu divirto-me imenso, nem imaginava que me fosse divertir tanto. Desde muito cedo ele me pedia para jogar futebol e tive que me render à evidência. Com certeza vai gostar de tatuagens, é um ser muito tolerante e vive neste meio desde que nasceu. Não sei se ele vai ser futebolista, mas de certeza que é desporto. Nem que fosse GNR, que é o que eu mais odeio (risos), eu apoiava na mesma. É o meu filho, eu tenho que perceber que só tenho que apoiar e dar força para ele seguir em frente.

Dada a situação em que o país se encontra, preocupa-a o futuro do seu filho?
Não é o país, é o mundo. Não é a crise económica que me preocupa, são os valores sociais. O meu filho, e tantos outros, vão ser os homens de amanhã e nós, pais, temos de os preparar. Não vamos estar todos os dias ao lado deles, nem a vida inteira. Há que saber prepará-los e não criar uma geração imbecil, que vive para os computadores, para as mensagens, para aquelas porcarias das Playstations… Não sou contra as novas tecnologias, mas penso que o Homem ficou muito agarrado e esqueceu-se do restante. Em vez de querer o poder de comunicar, de dar, de partilhar, quer o poder económico. É a ambição desmedida.

Que balanço é que faz do seu percurso nesta profissão?
Voltava a fazer tudo outra vez. Foi difícil, mas todos os dias posso dizer que sou uma felizarda. O que é que eu posso mais desejar? Saúde, para poder continuar a trabalhar, e que as pessoas continuem a gostar da nossa loja, do nosso trabalho, e que a nossa equipa continue a ser forte.

Entrevista: JOANA REBELO MORAIS

Géneros Jornalísticos - 1ºano

2009

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